Leonardo Sakamoto

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Opinião

Defensores da anistia a golpistas partem para o linchamento de jornalistas

Defender perdão a golpistas, por mais bizarro que seja, faz parte do jogo político, apesar de a tentativa de golpe de Estado em si ser uma excrescência. Criticar o tamanho de penas também — decisões judiciais devem ser acatadas, mas podem ser criticadas. Contudo, quando a defesa de acusados de golpismo se utiliza de instrumentos de violência, ela vira crime, dos mais baixos.

Nos últimos dias, vimos uma ação coordenada nas redes contra as jornalistas Gabriela Biló e Thaísa Oliveira, do jornal Folha de S.Paulo, com ameaças de morte e até ataques a parentes, após o julgamento de uma das denunciadas por tentar transformar a democracia em geleia no 8 de janeiro. A ré pichou a estátua da Justiça, mas os 14 anos de pena a ela atribuídos não foram por causa disso, mas pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, dissolução violenta do Estado democrático de direito, organização criminosa. O dano ao patrimônio não daria essa pena por si só.

Com isso, a turba começou um linchamento público embasada na mentira de que as jornalistas foram as responsáveis pela punição sofrida pela mulher simplesmente porque registraram os atos golpistas no jornal e na sandice de que elas reuniram, empacotaram e enviaram material ao Supremo Tribunal Federal.

Sim, o bolsonarismo que bate no peito para falar de liberdade é o primeiro que o rifa quando necessário para a sua narrativa. Organizações que, aí sim, atuam na defesa da liberdade de expressão vieram a público repudiar os ataques e alertar para os riscos que as duas e outros jornalistas correm.

À medida em que se aproxima o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o líder da conspiração, a violência tende a crescer. O mais preocupante é que o acirramento dos ânimos, ao que tudo indica, não é algo orgânico que brota de indignação, mas é devidamente semeado por lideranças para colher o caos. E, dessa forma, tentar atrasar, interferir ou deslegitimar os julgamentos dos 34 da cúpula do golpe que devem virar réus.

Você pode não gostar da cobertura de determinados jornais, revistas, sites, canais de rádio e de TV, do posicionamento de certos colunistas e articulistas e discordar profundamente de uma pauta que foi conduzida por um repórter. Mas o respeito aos jornalistas, sejam eles de veículos tradicionais ou alternativos, grande ou pequena, liberal ou conservadora, segue sendo um dos pilares da democracia. Sem uma imprensa livre, o poder público estaria à vontade para fazer o que quer, seja de direita ou de esquerda.

Dizer que o que aconteceu contra elas não é ataque, mas reação a um ataque da imprensa é ofensivo à inteligência. Políticos e influenciadores não são ingênuos, sabem o tamanho de sua caixa de ressonância, o fanatismo de alguns de seus seguidores que agem como torcida organizada sem questionar e o profissionalismo de redes digitais simpáticos a eles. E, ao ter consciência disso, tornam-se cúmplices das consequências de seus atos.

O padrão se repete diariamente, com outros nomes, da direita à esquerda, de grandes centros urbanos a pequenas cidades do interior: a personificação em uma profissional do descontentamento contra uma cobertura, uma opinião editorial ou a situação da economia e da política como um todo. Pois é mais fácil bater em um indivíduo do que em um veículo.

Caso veja erro ou má fé em um conteúdo publicado por uma empresa jornalística, qualquer pessoa pode buscar, junto ao veículo de comunicação, seu direito de resposta. Ou, se isso for insuficiente, procurar na Justiça a reparação. Ao invés disso, parlamentares e outros políticos preferem dar o sinal para o início de uma inquisição on-line que transborde para o offline. Pois o resultado é mais rápido e nada justo.

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Políticos e influenciadores dizem não incitar a violência com suas palavras. Mas, por vezes, não são eles que ameaçam, esmurram, esfaqueiam e atiram, mas é a sobreposicão de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de atacar, esfaquear e atirar banais. Ou, melhor dizendo, "necessários'' para tirar o país do caos e levá-lo à ordem. Acabam por alimentar a intolerância, que depois será consumida por seguidores que fazem o serviço sujo.

Por fim, ataques podem ocorrer contra qualquer profissional de imprensa, principalmente os que realizam reportagens sérias e embasadas, como foi o caso recente de Thiago Herdy, do UOL, que foi vítima de outra orquestração vil e anônima por ter investigado contratos emergenciais da gestão Ricardo Nunes em São Paulo. Mas mulheres têm sido alvos preferenciais dos linchamentos. A perseguição é sempre mais violenta quando são jornalistas mulheres, quando o ataque, não raro, também ganha cunho sexual.

O direito ao livre exercício de pensamento e à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais que o país assinou. Mas liberdade de expressão não é direito fundamental absoluto. A partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade, espalhando o ódio e incitando à violência a pessoas, como às duas jornalistas, isso pode trazer graves consequências à vida. E precisa ser investigado pelas autoridades e os responsáveis, punidos.

Há, novamente, nuvens escuras no horizonte. Há tempo para se preparar para ela. Basta saber se o país e suas instituições querem isso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL